Foi divulgada a mensagem final do encontro das equipes de apoio e reflexão do Departamento de Justiça e Solidariedade do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam) que se reuniu entre os dias 11 e 15, em Bogotá, na Colômbia. A mensagem expressa propostas e preocupações na “perspectiva da promoção de um desenvolvimento humano integral, solidário e inclusivo de nossos povos”.
O texto se preocupa exclusivamente com o desenvolvimento da América Latina e Caribe e aponta também uma longa distância até se concretizar o sonho do desenvolvimento no continente. “A realidade dos processos e estilos chamados de desenvolvimento em nosso continente estão muito longe de ser isso, apesar dos notáveis esforços que vêm sendo dados”, frisa um trecho da mensagem.
Para as equipes de reflexão, o crescimento da economia da AL é visível, porém não tem favorecido a diminuição das desigualdades na região. “Tem sido notável o crescimento econômico na Região da América Latina e Caribe [...] não obstante, a pobreza geral continua afetando mais de um terço da população [...]”, aponta outro trecho.
A esfera política é outro ponto enfatizado na mensagem. As equipes também apontam avanços na democracia participativa nos espaços locais, porém, “prevalece a concentração do poder em determinados grupos de elite e se continua evidenciando clamorosas situações de corrupção, o incremento do narcotráfico e outros grupos do crime organizado dedicados ao tráfico de migrantes e ao trato de pessoas [especialmente de crianças e adolescentes] com fins de sujeição a todo tipo de escravidão”.
Esperança
Após apontar alguns obstáculos que ofuscam o desenvolvimento da América Latina, a mensagem destaca que os esforços para o bem do desenvolvimento do continente, como também algumas experiências solidárias, são razões para se acreditar na esperança de dias melhores para a região. “Causam esperança os esforços de nossos povos em experiências de economia solidária e comércio justo que vão conquistando um dinamismo econômico com maior vigência na região [...]”.
O encontro reuniu 63 pessoas de 14 países da América Latina, Caribe e Europa. Representaram o Brasil, entre outros, o Dr. Nelson Arns Neumann, Ademar Bertucci, padre Cláudio Ambrósio, irmã Rosita Milesi. A reunião contou também com a presença do cardeal arcebispo de Santa Cruz de la Sierra e presidente do Departamento de Justiça e Solidariedade, dom Julio Terrazas; e do cardeal arcebispo de Aparecida e presidente do Celam, dom Raymundo Damasceno Assis.
O objetivo do encontro foi planejar o próximo quadriênio de atividades do Departamento de Justiça e Solidariedade do Celam.
O Departamento de Justiça e Solidariedade do Celam tem por objetivo animar, promover e fortalecer o processo de transformação da realidade latinoamericana, a partir da solidariedade e à luz do Evangelho. O órgão conta com três seções: Pastoral Social, Mobilidade Humana e Leigos e Construtores da Sociedade.
Leia baixo, mensagem na íntegra
Mensagem Final
DEPARTAMENTO JUSTIÇA E SOLIDARIDADE – CELAM
Impulsionar um desenvolvimento humano, integral, solidário e inclusivo
Nos dias 11 a 14 de fevereiro de 2011, nos reunimos, em Bogotá, bispos, equipes de apoio e reflexão do Departamento Justiça e Solidariedade do Conselho Episcopal Latino-americano, para avaliar a gestão 2007-2011 e fazer propostas para o próximo planejamento do Departamento no contexto da Missão Continental, que assumimos a partir da V Conferência do Episcopado Latino-americano e Caribenho, em Aparecida.
No espírito de serviço e comunhão que caracteriza o Celam, compartilhamos com as Comissões de Pastoral Social, Cáritas, organismos relacionados à Justiça e Solidariedade, com enteidade que trabalham com migrantes e na pastoral do turismo das Conferências Episcopais da América Latina e Caribe, com os agentes pastorais e líderes sociais, para expressar nossas preocupações, esperanças e propostas na perspectiva da promoção de um desenvolvimento humano integral, solidário e inclusivo de nossos povos. Tal como o propõe o Documento de Aparecida (cf. DA 474), na fidelidade ao Concílio Vaticano II, que nos manifesta que as alegrias e as esperanças, as tristezas e angústias dos povos, especialmente dos mais pobres e excluídos, são alegrias e esperanças, tristezas e angústias dos discípulos de Cristo (cf. GS 1).
A realidade de nossa região e os processos de desenvolvimento
1. O Papa Paulo VI dizia já na Encíclica Populorum Progressio que o desenvolvimento é “o passo para toda a pessoa e para todas as pessoas de condições de vida menos humanas a condições de vida mais humanas” (PP 20). Contudo, a realidade dos processos e estilos chamados de desenvolvimento em nosso continente estão muito longe de ser isso, apesar dos notáveis esforços que vêm sendo dados.
2. Tem sido notável o crescimento econômico da Região da América Latina e Caribe, especialmente no ano de 2010. Não obstante, a pobreza geral continua afetando mais de um terço da população e o índice médio da desigualdade é o mais elevado em comparação com os outros continentes do mundo, reforçando situações persistentes de miséria desumanizadora (cf. Caritas in veritate 22). Esta situação nos move a renovar com força nossa opção preferencial pelos pobres.
3. A taxa de desemprego na região continua próxima a 8% da população economicamente ativa, que é acompanhada pelo emprego precário ou subemprego, que afeta mais de um terço desta mesma população. Prevalecem políticas de desregulamentação das relações trabalhistas aplicadas nas últimas décadas, que impede um trabalho digno e decente, com salários justos, seguridade social e direito à sindicalização.
4. Entre as principais causas das situações acima mencionadas encontramos um processo de concentração da riqueza em poucas mãos, uma importante expatriação dos ganhos das empresas transnacionais, uma injusta distribuição da riqueza no interior de nossos próprios países, assim como políticas fiscais regressivas que punem mais os pobres.
5. É necessário assinalar a forte degradação de solos e da água, a perda da biodiversidade, as catástrofes climáticas, o avanço da desertificação, entre outros, são uma constante na região que põem em risco todas as populações. O enfoque econômico predominante não tem em conta o limite físico dos recursos renováveis e não renováveis. Pelo contrário, o desenvolvimento, entendido como crescimento econômico, se reduz ao livre mercado, que só busca maximizar o lucro, deixando assim a pessoa humana relegada. Tudo isso nos faz ver a insustentabilidade destes processos. Como Igreja devemos fazer ouvir nossa voz, prevenindo a destruição da humanidade (cf. CIV 51-b).
6. Neste contexto, preocupa-nos o privilégio da livre circulação de capitais e de bens, mas não de pessoas. Tem crescido a consciência sobre os direitos humanos civis e polítios, mas não se percebe o mesmo avanço em relação aos direitos econômicos, sociais, culturas e ambientais.
7. Deste modo, não se dá um enfoque de autêntico desenvolvimento humano e continuamos percebendo os rostos sofridos dos que se encontram excluídos dos sistemas de saúde, privilegiando-se programas compensatórios e não políticas universais como direitos das pessoas. Além disso, as prisões continuam sendo espaço de castigo e desumanização, onde se pretende, ingenuamente, “prender o mal”.
8. Na esfera política, se bem que haja importantes avanços na democracia participativa nos espaços locais, prevalece a concentração do poder em determinados grupos de elite e se continua evidenciando clamorosas situações de corrupção, o incremento do narcotráfico e outros grupos do crime organizado dedicados ao tráfico de migrantes e ao trato de pessoas (especialmente de crianças e adolescentes) com fins de sujeição a todo tipo de escravidão.
Há razões de esperança
9. Contudo, causam esperança os esforços de nossos povos em experiências de economia solidária e comércio justo que vão conquistando um dinamismo econômico com maior vigência na região, assim como a importante rede de agentes comunitários de saúde, a existência de organizações sociais, indígenas e urbanas, para preservação ecológica do meio ambiente, especialmente na Amazônia e as biodiversidades na Região. Constata-se a incidência por políticas e leis e a existência de grupos e redes que trabalham pela defesa dos direitos humanos de migrantes e refugiados, das crianças e adolescentes, e a transformação da vida das pessoas encarceradas e sua reinserção na sociedade.
10. Vemos também a emergência da sociedade civil com distinta do mercado e do Estado. Ela se expressa através de movimentos e organizações populares que agrupam os distintos setores da sociedade. Eles são novos agentes no espaço público na luta por interesses universais que buscam o bem comum.
O caminho que estamos fazendo
11. Frente a esta realidade que nos comove e interpela, queremos colocar em comum as respostas que temos dado a partir dos diversos âmbitos da pastoral social, respostas que, de modo geral, em parceria solidária com importantes grupos e redes da sociedade civil e movimentos sociais, e encaminham até a mudança das estruturas injustas da sociedade (cf. DA 383).
12. Temos encorajado os grupos de economia solidária e comércio justo, incentivado reflexões e propostas para uma autêntica responsabilidade social empresarial pois, como dizia João Paulo II, a empresa é, antes de tudo, uma comunidade de pessoas (cf. CA 43). Têm se feito vigorosos esforços diante dos governos para uma revisão e atualização de leis de migração nos distintos países, dando-lhes um enfoque de direitos humanos dos migrantes e refugiados e para implementar instrumentos internacionais tais como a Convenção para a proteção dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras migrantes e suas famílias. Da mesma forma, tem-se avançado na defesa dos direitos dos ciganos, na atenção a pessoas em situação de rua e a outros grupos itinerantes.
13. Consideramos importante fortalecer a Pastoral do Turismo para evangelizar esta realidade no crescimento contínuo, que exige um dinamismo particular para responder a desafios que se apresentam de modo contínuo.
14. Vem sendo trabalhada a construção de uma consciência comum dos desafios ambientais e ecológicos. Hoje se tem conhecimento de uma plataforma latino-americana para poder desenvolver estratégias pastorais comuns que contribuam para o saneamento urgente da criação (cf. Caritas in Veritate 50).
15. Têm-se realizado esforços pelo direito à saúde, sua promoção e a prevenção de enfermidades de maior urgência. Nesta ação social, é promovido o diálogo ecumênico, inter-religioso e com as autoridades civis.
16. Vem se trabalhando na defesa dos direitos das crianças e adolescentes com incidência em políticas públicas que reconheçam seus direitos.
17. Estão sendo dados passos na formação dos leigos e leigas para animar seu compromisso com a transformação da realidade nos âmbitos social, político, econômico, cultural, ecológico. Como cristãos e cristas, temos buscado intensificar nossa presença entre os trabalhadores, trabalhadoras e suas organizações e animar nossa Igreja em seu compromisso por cauda da justiça, da paz, da solidariedade, e a participação para o bem comum.
18. Além disso, temos reforçado nossa presença nas prisões e a denúncia do modelo carcerário e do enfoque que propõe mais prisões como solução.
Cooperação entre a sociedade e a Igreja
19. Destacamos um novo papel da sociedade civil no resgate da fraternidade, da liberdade, da igualdade, tendo em conta que se dá um processo intercultural nas comunidades. A Igreja é chamada a ajudar na mediação entre a cultura globalizada e as expressões culturais na região.
20. Como cristãos, sentimo-nos desafiados a fazer todo o possível para mudar o rumo do mundo para o pleno respeito da dignidade humana, a acompanhar os que propõem novos modelos de desenvolvimento e convivência que favoreçam a integridade da pessoa. Precisamos voltar a ser o sal da terra e a luz do mundo (Mt 5,13-16), para ajudar a transformar a partir de dentro as culturas e, especialmente, os estilos de vida consumistas predominantes. Cabe a nós trabalhar conjuntamente na formação das consciências e tornar a vida terrena mais digna do ser humano, para que todos, em Cristo, tenhamos vida e vida em plenitude (Jo 10,10).
21. A partir deste nosso compromisso com a edificação do Reino de Deus no mundo, oferecemos o serviço da formação na Doutrina Social da Igreja como “inestimável riqueza, que anima o testemunho e a ação solidária dos leigos e leigas, aqueles que se interessam cada vez mais por sua formação teológica, como verdadeiros missionários da caridade, e se esforçam por transformar de maneira efetiva o mundo segundo Cristo” (DA 99g).
Desafios de nossa realidade diante do desenvolvimento humano integral e solidário como horizonte para a Região
22. Aprofundar a orientação da Região para um processo de desenvolvimento humano integral e solidário, que tenha como base o cuidado da criação e como ponto de partida dos esforços das populações empobrecidas e excluídas para sair destas situações de pobreza e exclusão através de múltiplas formas de solidariedade econômica e em outros âmbitos mencionados. É necessário articular-se com esforços de responsabilidade social empresarial, de políticas públicas inclusivas, de processos internacionais de globalização da solidariedade.
23. Desenvolver estratégias pastorais que permitam recuperar o olhar da fé sobre a criação e o crescimento de uma consciência de mudança nos padrões de desenvolvimento econômico e de consumo a modos sustentáveis, que preservem a qualidade de nossos ecossistemas, através da incidência na política nacional e internacional, partido de nossas comunidades locais. É necessário promover estilos de vida sóbrios e simples, com hábitos saudáveis.
24. Quanto às políticas migratórias, abrir definitivamente as fronteiras de nossos países, que todos e todas sejam reconhecidos cidadãos da América Latina e do Caribe como pátria comum. Continuar os esforços de garantir acesso universal à saúde e à formação e educação permanente nele.
25. É urgente repensar o direito ao trabalho, considerando-o não como problema do mercado, mas do Estado e da sociedade, como um problema de cidadania, do exercício de seus direitos e capacidades. O trabalho digno, decente, é uma das melhores ferramentas para libertar os cidadãos do temor da pobreza, de todo tipo de dependência. A valorização do trabalho é elemento central do desenvolvimento solidário.
26. Reorganizar a ação social e a pastoral carcerária em nível regional e continental a fim de indicar, com maior efetividade, o modelo de desenvolvimento integral humano, questionando com mais força o atual modelo de desumanização carcerária a partir do enfoque da dignidade das pessoas.
Como discípulos missionários de Jesus Cristo, nos comprometemos a contribuir para a construção de projetos de nações justas, solidárias e em paz para o desenvolvimento humano, integral, solidário e inclusivo.
Damos graças a Deus pelo caminho feito e pedimos perdão por aquilo que nos impede de viver como Discípulos Missionários no mundo. Imploramos sabedoria e fortaleza para impulsionar a Missão Continental da Igreja da América Latina e Caribe nos distintos âmbitos da sociedade.
Renovamos nossa confiança no grande carinho da Virgem Maria de Guadalupe por todos seus filhos e filhas deste Continente e nos recolhemos à sua maternal proteção.
Bogotá, fevereiro de 2011
Tradução: Assessoria de Imprensa/CNBB
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