Jornal O Globo
RIO - O
cardeal do Rio de Janeiro Dom Eugenio de Araújo Sales, arcebispo emérito do
Rio, morreu na noite desta segunda-feira, por volta de 23h30m, no Rio de
Janeiro. Segundo a Arquidiocese, ele morreu em casa, no Sumaré, de causas
naturais. O religioso, que tinha 91 anos, será velado a partir da manhã de
terça-feira na Catedral Metropolitana, onde deverá ser enterrado.
A Arquidiocese
informou, ainda, que a rotina de Dom Eugênio nos últimos dias era apenas de
ficar no quarto e no gabinete, onde lia muitos jornais e assistia à TV. Ele não
teria nenhuma doença específica. Segundo cálculos da Arquidiocese, Dom Eugenio
faria 69 anos de sacerdócio, 58 de episcopado, 43 de cardinalato, em seus quase
92 anos de vida. Ele sagrou 22 bispos e ordenou 215 sacerdotes.
Por meio do Twitter, o
Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani Tempesta, também comunicou a morte de
Dom Eugenio, por volta das 0h40m: “Nosso querido Cardeal Dom Eugênio faleceu.
Pedimos orações pelo seu descanso eterno!”
Já a Arquidiocese, ao informar
a morte do cardeal, lembrou que, fundamentado na Carta de São Paulo aos
Coríntios, o lema do religioso foi: "Impendam et Superimpendar" (2Cor
12,15: “De mui boa vontade darei o que é meu, e me darei a mim mesmo pelas
vossas almas, ainda que, amando-vos mais, seja menos amado por vós”).
Nascido em 8 de novembro de
1920, em Acari (RN), o cardeal teve o nome entre os candidatos a Papa depois da
morte de João Paulo I. Conhecido como o homem do Vaticano no Brasil durante os
30 anos em que esteve à frente da Arquidiocese do Rio, o cardeal continuou
sendo querido pelo Papa, mesmo afastado das funções eclesiásticas no estado
fazia quase uma década. O arcebispo emérito do Rio chegou a ser surpreendido,
às vésperas de completar 90 anos, por uma carta de felicitações assinada por
Bento XVI. Para Dom Eugenio, o documento não foi sinal de prestígio, mas o
reconhecimento de uma vida dedicada à fé.
Em 67 anos de vida dedicada à
Igreja, o cardeal foi rotulado tanto como líder conservador quanto "bispo
vermelho", por ter, no início do sacerdócio, ajudado a criar os primeiros
sindicatos rurais no Rio Grande do Norte. Um capítulo importante da vida de Dom
Eugenio remonta à ditadura, quando atuou de maneira silenciosa, abrigando no
Rio mais de quatro mil pessoas perseguidas pelos regimes militares do Cone Sul,
entre 1976 e 1982, especialmente argentinos. A história da participação sem
alarde do arcebispo foi contada, 30 anos depois, pelos principais meios de
comunicação. Discretamente, o cardeal cultivava delicadas relações com os
militares e ajudou a salvar vidas.
Para dar conta de tanto
pedidos, autorizou o aluguel de quartos e depois apartamentos. A ajuda incluía
dinheiro para gastos pessoais, assistência médica e auxílio jurídico. Em
entrevista ao GLOBO em 2008, Dom Eugenio contou por que agiu nos bastidores:
— Se eu anunciasse o que estava
fazendo, não tinha chance. Muitos não concordavam, mas eu preferia dialogar e
salvar — disse. — Eu não tinha nem nunca tive interesse em divulgar nada disso.
Queria que as coisas funcionassem, e o caminho naquele momento era esse, o
caminho de não pisar no pé (do governo).
Em entrevista ao GLOBO em 2010,
vestido de preto, com um crucifixo de prata no pescoço, o homem que organizou
as duas visitas do Papa João Paulo II ao país, em 1980 e 1987, respondeu a
todas as perguntas com serenidade, mas fez questão de deixar claro que estava
cansado do assédio por conta das comemorações do seu 10º aniversário:
— Eu já estou cansado, às vezes
minha memória falha. Mas faço questão de receber os jornalistas. Nada no mundo
funciona sem a comunicação. Ela é fundamental para difusão do Evangelho. Eu
levei isso muito a sério na minha vida religiosa, instalei rádios, escrevi em
jornais, dei muitas entrevistas para TV. Quando eu não podia ir ao local, eu
chegava às pessoas pelos meios de comunicação.
Além de ter ser considerado um
bom articulador e um defensor incansável da doutrina católica, Dom Eugenio era
citado como grande empreendedor. Ao assumir a Arquidiocese, na década de 70,
mandou construir nos fundos do Palácio São Joaquim um prédio de dez andares
para reunir num só lugar serviços da Igreja espalhados pela cidade. Também criou
dezenas de pastorais, entre elas a Pastoral Penal, a das Favelas e a do Menor.
Dom Eugenio passou parte da
infância no sertão nordestino. A vocação para o sacerdócio surgiu no início dos
anos 30, após ser matriculado em colégio marista de Natal. Antes de optar pela
Igreja, pensou em ser engenheiro agrônomo. Foi ordenado em 21 de novembro de
1943.
Nota do Blog: Descanse em paz, Dom Eugênio.